quinta-feira, 29 de maio de 2008

J'espère que vous

- Já acordou?
- É tarde já.
- Que horas?
- Não sei mas as crianças já passaram para a igreja.
- Elas passam antes das 7! Hoje é domingo! E saia da janela ou vista alguma coisa.
- Ninguém consegue ver nada daqui e se visse qual seria o problema? Estou só fumando.
- Nada, uma mulher fumando, nua, na janela. No mínimo atentado ao pudor. Vai, se veste.
- Não foi o que me disse ontem a noite. Aliás nem sei onde foi parar minha roupa.
- Eu olhava pelo buraco da fechadura quando era moleque, hoje vocês mostram os peitos na janela. Como será ir para a catequese pensando nos seus peitos?
- Como foi voltar pra casa depois daquela cruzada de pernas no bar?
- Aquilo foi intencional? Jesus! Quanta maldade!
- Acha que eu ando sem calcinha ‘sem querer’?
- Pára de rir, apaga esse cigarro e deita aqui. É cedo ainda, a gente pode recomeçar de onde parou ontem.
- Não, não é cedo nada. Vou tomar um banho, preciso ir.
- Ei, volta aqui!!! Ontem foi tão gostoso, não podemos repetir?
- Quem mandou você dormir? A gente podia ter continuado até amanhecer.
- Fica o dia comigo.
- Passar o domingo na cama? Nunquinha! Vem aqui, vou ligar o chuveiro e não vou mais te escutar.
- Só você me faz acordar domingo a essa hora.
- Porque não vem comigo?
- Preguiça. Você não me ama, ou ficaria comigo.
- Volto a noite.
- Passo o dia sozinho... te esperando.
- Espera. Espera que eu volto.

domingo, 25 de maio de 2008

Amendoas e Lavanda

Ela acorda e o perfume de lavanda e amêndoas ainda inunda o quarto. Na cômoda, ao lado do telefone e do “minuto de sabedoria” descansam os dois vidrinhos de óleo perfumado. Noite incrível!!! Ela pensa e suspira, pensa e sorri. Não sorri só com os lábios e os dentes, sorri com o corpo que se espreguiça cansado e rola nos lençóis brancos. Recria cada toque, cada palavra sussurrada, cada olhar de desejo... e sorri de novo, alheia ao amante que espia da porta do banheiro, e também sorri, sem saber que o amor já se instalou entre eles.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Tarde de Outono

O Sol está agradável. Morno e suave, típico das tardes de outono. É até consolador uma tarde de outono em pleno outono! Com essa história toda de aquecimento global acabei ficando meio perdida, nunca sei qual é exatamente a estação.
Estou sentanda em um banco coberto pela sompra de uma mangueira. A praça está pouco movimentada. É horário de aula e as crianças ainda não apareceram para brincar. Apenas as moças de uniforme branco com bêbes e um casal de namorados. Há um homem também.
Eu finjo que leio um livro, mas o observo caminhar. É um homem intrigante. Não sei ao certo porque, mas é intrigante. Misterioso. Isso mesmo. Misterioso é uma palavra adequada. Tem as mãos nos bolsos e caminha como se desse pequenos chutes no ar. Olha para o céu. Para os pombos na praça. Para os bebês nos carrinhos. Sorri rapidamente.
Os óculos escorregam até a ponta do nariz. Ele os empurra com a ponta do dedo, mas logo eles voltam a escorregar. Gostaria de observar seus olhos. Ele dá várias voltas na praça mas nunca perto o bastante de mim.
Em segundos eu tenho um plano. Característica feminina: pensar rápido. Não sei de onde tirei isso, talvez de uma das revistas que eu leio na sala de espera do dentista. Na próxima consulta devo levar um livro.
Coloco o plano em prática. Levanto como se quisesse atravessar a praça e mudar de banco. Calculo os passos. Finjo que continuo a ler o livro enquanto caminho. Mesmo que ele esteja me olhando vai imaginar que passa por mim antes que eu o alcance. Eu apresso os passos e pronto! Colidimos e o meu livro cai no chão.
Ele precipita-se a ajudar. É gentil. Eu fixo meu olhar no dele e, por surpresa ou curiosidade ele o sustenta. Tem lindos olhos castanhos. Não sei o que vejo lá no fundo deles, mas é agradável. Tem um semblante cansado. O rosto marcado de quem tem alcançou a metade da vida. Ele segura minha mão e me ajuda a levantar. A senhora está bem? Respondo que sim com um meio sorriso. Tenha um bom dia, então. Ele empurra os óculos com a ponta do dedo, coloca as mãos nos bolsos e atravessa a rua.

Danielle Gomes

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Escuridão

Minha cabeça dói. Dor intensa. Meu peito arde. Que inferno!!! Onde você foi parar? Onde fomos parar nós dois? Perdidos na estupidez humana que não entende de onde veio e qual é seu destino.
Deixei que você fosse. Mas o que eu poderia fazer. Enfrentar? Enfrentar sua obstinação? Nunca fui capaz disso. Sempre obedeci, obedeci, obedeci cegamente.
E agora? Quem vai me dar ordens? Quem vai orientar minhas ações, meus pensamentos, minhas palavras? As próximas páginas do meu livro permanecerão em branco.
Você não podia. Não tinha o direito de ir embora. De não deixar pistas depois de ter devastado meu coração, meu espírito e meu corpo. Como pode virar e seguir, consciente da minha solidão e do meu desespero? Como pôde me mostrar a felicidade, tornar-la parte da minha rotina até que eu estivesse viciada e, de pronto, sem anestesia, tomá-la de mim?
Não. Nunca teve por mim amor. Talvez nunca tenha tido amor por ninguém. Prefiro acreditar que não. O que faltou? O que eu não fiz? Essas perguntas sem respostas me enlouquecem.
Olho pela janela. Trinta ou quarenta metros me separam do fim desse tormento. Será como se eu nunca houvesse existido. Não existirão mais perguntas, nem dor, nem desespero. Só alívio.
Lanço-me. Mergulho no nada. Imaginei que fosse acabar mais rápido. Minhas lágrimas secam com o vento. Vejo você dentro de mim antes que tudo se apague.

Danielle Gomes

Olhos de Lince

O sonho se repete. É noite e uma multidão me cerca. Ainda assim nunca uma dor de solidão doeu tão forte. Rostos conhecidos e desconhecidos passam por mim a sorrir. Não sei o que faço ali... Sons de copos sendo cheios, conversas, burburinhos, risadas. Eu procuro a saída. Não gosto de barulho, de confusão. Alguém segura meu braço. Sinto as unhas quase a perfurar minha pele. Viro o rosto e encontro o olhar da fera. Olhos de lince. Eu quero fugir, preciso fugir, sei do perigo, mas não me movo, minhas pernas não me obedecem. As unhas apertam mais forte meu braço, mas me dói o peito. Dói profundamente. Meus joelhos dobram e um grito abafado sai da minha garganta. Acordo sempre chorando.

Danielle Gomes

23 de janeiro de 2008

Queria ser um pouco melhor.

Queria ser um pouco melhor,
E vibrar a cada coisa positiva,
Ser lembrado só por coisas boas,
Mesmo que tudo seja uma mentira.

De tudo que te falei,
Nem tudo tem sentido exato,
Mas sei que para você,
Nada mais é que, que tirar minhas roupas e sapatos.

Que teu estilo nunca mude,
E seus desejos não se encabulem,
Deixe os sentidos já suspensos,
Cada um cada um, eu sei eu entendo.

Tenha a mesma vontade que ontem,
Mas não faça o que ontem errou,
Sou simples e preciso escrever,
Colocar tudo pra fora e amadurecer.

Na minha vida toda,
Nunca tive algo ótimo apenas bom,
Também sei que ter tudo é impossível,
Enquanto os olhares atravessam a perimetral.

Santiago A.
Gravataí,11 de Maio de 2008.

Montanha Russa

Se fecho os olhos sinto seu perfume, vejo seu rosto em todos os outros. É a saudade ardendo, o coração dizendo pra esquecer o orgulho e seguir em frente. A vontade é grande... mergulhar de cabeça, fechar o olhos e só sentir... Como quando a gente chega no topo da montanha russa, vai descer, é inevitável... se a gente pudesse pulava fora, mas não pode, e de algum modo isso é bom, é delicioso, porque não é possível fugir. Então alguém fala comigo e eu esqueço da montanha russa. Mundo real. Por dois minutos consigo não pensar em você, depois começo a vagar de novo pelo deserto desse sentimento sem sentido, sem lógica, sem razão e a pessoa do meu lado torna-se apenas uma voz longe... tão longe que de repente o sonho é o mundo real e o meu mundo real é você, ou o que a gente viveu, ou o que ainda vai viver. São nesses momentos que eu me sinto viva de verdade... me sinto inteira em você, completa, sem espaços que precisam ser preenchidos com frases ou ações superficiais. Você já pensou que nós nunca falamos do tempo? Ou do time de futebol? Ou de como os preços estão subindo? Porque ninguém nunca diz isso pra si mesmo e nós somos assim, um só, ou nenhum. Isso é bom? Não, nem sempre, nunca. Mas é gostoso de sentir. Como quando alguém faz cócegas na gente, é uma sensação ruim de impotência diante do outro, mas a gente gosta!
Vivo esse sentimento mesmo agora que você não quer mais dividí-lo comigo. Um pouco porque não posso evitar, um pouco porque vejo nos seus olhos, ouço na sua voz e sinto profundamente que você tenta, mas não consegue estar distante o suficiente para me afastar de você.