domingo, 15 de junho de 2008

Tempos de menina

Quando eu era criança corria descalça no chão frio e minha mãe gritava ‘coloca o chinelo, menina’. Quando eu era criança brincava de ser modelo-manequim, fazia cabana na sala com lençol, acordava cedo e ia pra escola dormindo, passava férias na casa da minha madrinha, comia uma lata de leite condensado sem engordar nem um grama, assistia o Bozo e o Bambalalão, andava de bicicleta na rua, tinha festa de aniversário na garagem, ouvia o disco da Simony, fazia planos para os meus quinze anos e achava que nunca iam chegar, comia pão com manteiga e nescau todo dia a tarde, só tirava menos que 8 em Educação Física, torcia para a Xuxa descer logo da nave, esperava meu pai chegar do trabalho na janela, mudava de melhor amiga toda semana, ia ao Playcenter todo ano, adorava ajudar a montar a árvore de Natal, sorria sempre sem motivo, tinha todos os motivos do mundo para sorrir.

Danielled Gomes

domingo, 8 de junho de 2008

Descoberta

De dentro do ônibus parado no terminal, enquanto espero a partida, costumo observar o movimento lá fora, encatado com o ir e vir frenético das pessoas, andando aos esbarrões, com fones no ouvido, sempre apressadas, quase nenhum sorriso, olhares vazios, presas dentro dos seus próprios problemas, vivendo vidas paralelas como se não estivéssemos todos no mesmo planeta.
Então um dia surpreendi um ponto de cor em meio ao cinza rotineiro. Estava longe. A princípio achei que me enganava, como já havia acontecido várias vezes antes. Como quando rondava o quarteirão do prédio onde ela mora – ou morou, não sei mais – na esperança de vê-la entrar ou sair, ou quando a procurava na fila do cinema, na livraria ou em qualquer outro lugar onde imaginava que ela pudesse estar.
Não, era real. Abraçava uma pasta. O mesmo cabelo escuro que roçava de leve os ombros, o mesmo jeito de menina que por tanto tempo me fez o homem mais feliz do mundo.
Minha primeira namorada. Meu primeiro amor. Minha primeira mulher. Meu primeiro grande erro. Estava lá, tão perto e tão longe. Nunca compreendi porque a deixei sair da minha vida. Nunca aceitei perder seu amor.
Encostei o rosto no vidro da janela tentando não a perder de vista. Ela parou, olhou o relógio e sorriu. Esperei anos por aquele sorriso. Eu também sorri enternecido e a amei novamente naquele momento. Entregaria minha vida a ela.
Não entreguei. Ela sequer me viu. Apressou o passo e alcançou o ônibus. Sonho com seu sorriso todas as noites.

sábado, 7 de junho de 2008

Aos 13 anos eu tinha um caderno cor de rosa com uma florzinha de seda presa a ele. A flor era branca e o caderno cor de rosa. Escrevi meu nome nele com um capricho que nunca mais eu tive com nada minha vida inteira. Ganhei o caderno do meu professor de violão, no meu aniversario. Exatamente quando fiz 13 anos. E ele me disse que eu devia guardá-lo por mais treze anos e que eu colocasse nele todos os meus momentos felizes, minhas magoas, minhas descobertas e desilusões para que nunca me esquecesse da historia da minha vida.
Parece que ainda hoje eu o vejo. Os olhos verdes e úmidos dizendo mais do que as palavras, os lábios movendo-se quase como num ballet. Meu professor de violão, meu primeiro grande amigo, meu primeiro grande amor.
Há muitos anos não o vejo, não sei para onde foi nem se ainda tem uma lembrança minha, ou do meu caderno cor de rosa com a flor de seda branca.
Eu mantive o caderno por muito tempo. Registrei os beijos, as lagrimas, os sorrisos... colei papel de bala e bom-bom. Marquei nele meus lábios com batom. Espirrei meu perfume preferido. Prendi com clips os ingressos dos filmes que vi e gostei. Escrevi poesias, declarações de amor e ódio, contos fantásticos, sonhos e planos...
Cresci. Os treze anos se passaram e depois mais alguns. A flor de seda já esta meio amarelada e do meu nome na capa resta apenas uma sombra, mas ele continua guardado no fundo de uma gaveta e ainda hoje, quando o pego nas mãos, posso ver os olhos verdes que despertaram meu coração de menina.