quarta-feira, 28 de julho de 2010

Premier


Eu tinha apenas onze anos de idade, mas um tédio e uma angústia dígnas de uma crise adolescente. A angústia e o tédio já me acompanhavam há algum tempo, mas estava pior. Lembro das amigas na sala de aula da escola pública no subúrbio de São Paulo eufóricas folheando pastas com recortes e mais recortes sobre "Os menudos", uma febre na época. Eram todas apaixonadas pelos latinos rebolativos, como se isso fosse, já naquele tempo, uma grande novidade. Eu tentava ardentemente manter-me tão entusiasmada quanto elas, motivada que estava pela  idade em ser igual ao grupo, igual à maioria, mas era inútil, acabava sempre por bocejar de sono.
As garotas também olhavam para os meninos de forma diferente, dando risadinhas e discordando (ou concordando) sobre qual deles era mais bonito, mas não passava disso, ninguém tinha coragem ou intenção de concretizar nada. Isso também me irritava, afinal, se não havia interesse real aquela conversa toda era uma chatice. Eu não tinha vontade de falar dos garotos, gostava era de falar "com" os garotos, como iguais, eles me pareciam mais interessantes.
Uma certa vez, porém, meus olhos encontraram com os do Eduardo. O Du, como costumávamos chama-lo. Moreno, alto para a idade, olhos amendoados. Já estávamos na mesma sala há pelo menos dois anos mas incrivelmente eu não o tinha notado ainda. "Quero beija-lo", pensei.
Aos 11 anos escrevi um bilhete e pedi para um outro colega entregar, o bilhete pedia pra que ele esperasse todo mundo sair da sala quando tocasse o sinal no fim da aula, queria ficar sozinha com ele. O Du leu o bilhete e em seguida olhou para mim na sala de aula com os olhos esbugalhados e a boca aberta, deve ter levado um bruta susto, mas ele esperou.
Lembro até hoje o que eu vestia, como estava preso meu cabelo, lembro do timbre de voz dele, dos cabelos meio bagunçados, do jeans escuro que ele vestia. Depois que todos sairam da sala fui caminhando em direção a ele, cheguei bem perto, sorri e o beijei... ou melhor, posso dizer que tentei beija-lo porque nenhum dos dois sabia bem o que fazia, mas no fim fiquei com um gosto doce nos lábios.
Deixei a escola eufórica, mas 3 quarteirões depois, ao chegar em casa, estava mais entediada e angustiada que nunca, com um nó que fechava minha garganta quase me impedindo de respirar... essa sensação nunca mais me deixou, mas ainda assim valeu muito a pena, foi  meu primeiro beijo.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Se quiser saber que eu sou, aprende a ler meu sorriso e decifra meus olhos, ali encontrará a poesia da minha alma.
A beleza da curva é o inesperado, é não saber o que vem depois. Talvez a segurança do horizonte ou o susto de voltar-se para o lado contrário.

Chorar e sorrir e chorar

Eu não quero, mas não posso evitar. Está tudo ali fazendo sentido, tudo conspirando para que eu me entregue. Todos me dizem sim, sorriem pra mim, parece a coisa natural a fazer. Lá no fundo, bem no fundo, uma voz fraca e rouca me lembra de que eu deveria dar meia volta e tomar o caminho contrário... qual o quê, mestre Chico, sigo em frente e sento-me sorrindo também. Estranhamente não estou feliz, estou eufórico, mas não feliz. Antes mesmo do primeiro copo estou embriagado porque o que me embriaga não é o álcool, é toda a bruma encantadora que me envolve, é o ritual, são aqueles rostos tão conhecidos e tão distantes ao mesmo tempo. Estou ali, sentado, rodeado de gente, mas me sinto tão só, tão pobre, tão vazio. Num flash me pergunto que faço ali, mas é só um piscar. A pergunta vem e vai, em velocidade estonteante e o fio de resistência que tenho se rompe e eu me entrego. Um copo atrás do outro, até que a vista fica turva e os pensamentos embaralham e eu nem preciso mais de motivo algum para sorrir. Hoje, enquanto luto contra uma dor de cabeça insuportável, tento me concentrar e refletir se não é isso o que eu procuro nessa loucura... sorrir sem que seja preciso qualquer motivo... sorrir, mesmo que por dentro eu esteja inundado de lágrimas.

Pra Você Guardei o Amor

Pra você guardei o amor
Que nunca soube dar
O amor que tive e vi sem me deixar
Sentir sem conseguir provar
Sem entregar
E repartir

Pra você guardei o amor
Que sempre quis mostrar
O amor que vive em mim vem visitar
Sorrir, vem colorir solar
Vem esquentar
E permitir

Quem acolher o que ele tem e traz
Quem entender o que ele diz
No giz do gesto o jeito pronto
Do piscar dos cílios
Que o convite do silêncio
Exibe em cada olhar

Guardei
Sem ter porque
Nem por razão
Ou coisa outra qualquer
Além de não saber como fazer
Pra ter um jeito meu de me mostrar

Achei
Vendo em você
E explicação
Nenhuma isso requer
Se o coração bater forte e arder
No fogo o gelo vai queimar

Pra você guardei o amor
Que aprendi vendo meus pais
O amor que tive e recebi
E hoje posso dar livre e feliz
Céu cheiro e ar na cor que arco-íris
Risca ao levitar

Vou nascer de novo
Lápis, edifício, tevere, ponte
Desenhar no seu quadril
Meus lábios beijam signos feito sinos
Trilho a infância, terço o berço
Do seu lar

Guardei
Sem ter porque
Nem por razão
Ou coisa outra qualquer
Além de não saber como fazer
Pra ter um jeito meu de me mostrar

Achei
Vendo em você
E explicação
Nenhuma isso requer
Se o coração bater forte e arder
No fogo o gelo vai queimar

Pra você guardei o amor
Que nunca soube dar
O amor que tive e vi sem me deixar
Sentir sem conseguir provar
Sem entregar
E repartir

Quem acolher o que ele tem e traz
Quem entender o que ele diz
No giz do gesto o jeito pronto
Do piscar dos cílios
Que o convite do silêncio
Exibe em cada olhar

Guardei
Sem ter porque
Nem por razão
Ou coisa outra qualquer
Além de não saber como fazer
Pra ter um jeito meu de me mostrar

Achei
Vendo em você
E explicação
Nenhuma isso requer
Se o coração bater forte e arder
No fogo o gelo vai queimar

Nando Reis

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Ensaio sobre... o que mesmo?

Estou sentada no banco do ônibus e Luiz Gonzaga canta o sertão no meu fone de ouvido. No banco da frente duas moças, bem jovens, conversam de forma animada e falam relativamente alto. É embaraçoso revelar, mas não contive a curiosidade, calei a asa branca para ouvir que assunto poderia ser tão emocionante a ponto de causar aquelas feições de espanto e alvoroço.
Eu só as via de costas ou de perfil. Uma negra, lábios bonitos, voz forte, a outra branca, cabelos lisos e negros, parecia ser ainda mais nova, talvez nem mesmo vinte anos. “Claro que estava com a cara fechada, ele tinha que levar aquela sonsa? A gente não tinha combinado um encontro de casais?”. A moça branca riu alto. “Ué... era de casais, por isso ele levou a noiva”.
A outra mostrou um fuzilamento no olhar. “Desculpa, amiga, mas ela é noiva dele, não é? O cara não decide”, respondeu a branquinha se desculpando. Um suspiro e a outra amiga tirou um papel da bolsa... “Agora ele decide! Olha isso”.
A jovem com o papel na mão parecia não respirar e eu quase não respirava também. Meu instinto dizia para pular no banco da frente e puxar aquele papel das mãos dela. Foram só alguns segundos, mas cheguei a pensar no que fazer se não conseguisse descobrir o que se passava.
“Grávida?! Meu Deus e o que você vai fazer? Acabou de mudar de emprego e a sua mãe foi embora de São Paulo!!!”. A negra deu um sorriso largo. “Que grávida nada! Acha que eu vou vacilar assim?! É falso. Vou mostrar isso pra ele e se o mané não largar da sonsa, vou lá e mostro pra ela... depois sei lá, faço um chororô e digo que perdi o bebê”.
Não fiquei sabendo da continuação daquela conversa. Corri a aumentar a voz do mestre Gonzaga que já cantava o cheiro no cangote da Carolina num xote gostoso e ingênuo.

Folhetim

Se te encontro nos meus sonhos é porque te tenho perdido nos caminhos dos meus pensamentos. Nem sei mesmo se vale te achar se os sonhos são tão encantadores e infinitamente mais freqüentes que o teu olhar cruzando o meu no que eu chamo de realidade.
Se nesses sonhos tenho o cheiro da sua pele, o toque das suas mãos, o calor da sua voz sempre que quero, basta que eu feche os olhos e posso construir a versão que eu quiser dessa história.
Chego mesmo a pensar que o meu folhetim é o que há de melhor entre nós... mas então pego o telefone e ouço tua voz de verdade entrar pelo meu ouvido e me lembro dos teus sussurros, dos teus lábios tocando meu pescoço e jogo o folhetim pra debaixo do tapete da minha imaginação.